A prática da psicologia tem como diferencial em relação a algumas profissões de cuidado o fato de estar autorizada a atuar de maneira muito próxima à vida das pessoas que a procuram, confiantes. Os conflitos, anseios e dores mais secretos são co-partilhados com o psicólogo assim como o eram no passado com o padre e o médico da família. Hoje literalmente o profissional psi, sobretudo clínico, entra nas casas das pessoas desde que houve a liberação para o contato remoto. Por isso, por estar muito perto, a psicologia corre sempre o risco de se tornar uma espécie de ortopedia psíquica, moral e comportamental. Não existe um antídoto eficaz que elimine definitivamente esse perigo. No entanto, há formas pelas quais se pode torná-lo visível e muitas vezes, assim, desmantelá-lo. Uma destas será apresentada no presente curso. Nele recorreremos em especial ao pensamento de Michel Foucault em seus últimos ditos e escritos. Embora tenha sido acusado de finalmente ter se rendido ao sujeito ou apontado como tendo empreendido o retorno aos gregos, um olhar mais acurado revela que nem uma coisa nem outra: o que está em questão são os modos de subjetivação e o olhar para o presente. Em uma entrevista concedida ao Le Nouvel Observateur em 1986, Didier Eribon recorda que em Foucault a vida como obra de arte é tanto uma estética da vida quanto uma ética dos modos de existência ou estilos de vida, em oposição a uma moral. E estabelece a diferença: “a moral se apresenta como um conjunto de regras coercitivas de um tipo especial, que consiste em julgar ações e intenções referindose a valores transcendentes (é certo, é errado...); a ética é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica.” (Eribon in Deleuze, 1992, p. 125-126)i
 
Nossa proposta, portanto, em sintonia com a ética e não com a moral, será relacionar a prática psicológica ao exercício filosófico do cuidado de si, o qual já é, por si mesmo, clínico se por clínica se compreende a invenção de novos modos de vida.